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A Saúde Emocional da Mulher no Mercado de Trabalho Brasileiro: Entre Conquistas, Sobrecargas e Silêncios Invisíveis

Quando o sucesso tem um custo invisível

Em 2025, o Brasil atingiu um marco histórico: as mulheres representam 48% da força de trabalho formal, segundo o IBGE. No entanto, atrás dos números que indicam avanço e representatividade, há uma realidade que permanece encoberta, a sobrecarga emocional e o adoecimento psíquico das mulheres no ambiente profissional.
Síndromes como ansiedade, burnout e depressão crescem de forma alarmante entre mulheres de alta performance, líderes e profissionais liberais, refletindo um paradoxo contemporâneo: quanto mais conquistamos espaço, mais nos tornamos vulneráveis à exaustão emocional.

A tese é clara: a saúde emocional da mulher no trabalho brasileiro está em crise silenciosa, e sua preservação exige não apenas políticas corporativas inclusivas, mas também um olhar psicanalítico e sistêmico sobre as pressões invisíveis que moldam o comportamento feminino nas empresas.

O retrato do adoecimento: dados que não podem ser ignorados

De acordo com o Ministério da Saúde (2024), as mulheres representam 62% dos afastamentos por transtornos mentais e comportamentais no país. Entre as principais causas estão ansiedade generalizada, depressão e síndrome de burnout. O levantamento do IBGE mostra ainda que duas em cada três mulheres brasileiras afirmam sentir-se esgotadas emocionalmente ao final da semana de trabalho.

Esse cenário se agrava quando analisamos a dupla jornada. Segundo o Instituto Patrícia Galvão (2023), as mulheres dedicam, em média, 21 horas semanais a mais do que os homens às tarefas domésticas e ao cuidado com familiares. Isso significa que, enquanto trabalham para conquistar autonomia financeira e reconhecimento profissional, continuam sendo as principais responsáveis pelo trabalho emocional e invisível em casa.

Esses dados revelam que o adoecimento feminino não é um fenômeno individual, mas estrutural e socialmente condicionado. A mulher moderna vive sob múltiplas exigências, produtividade, estética, maternidade, competência emocional, um conjunto de papéis que a conduzem ao limite da autonegação.

A pressão pela perfeição: o mito da mulher multitarefas

O discurso da “mulher que dá conta de tudo” tornou-se uma armadilha. Nas empresas, espera-se que a profissional seja eficiente, empática, resiliente e disponível, mesmo em contextos de sobrecarga ou desigualdade estrutural.
Essa expectativa é reforçada por uma cultura corporativa que valoriza o desempenho e a entrega constante, mas ignora os efeitos emocionais da exaustão.

Segundo estudo da Fundação Dom Cabral (2024), 71% das executivas brasileiras relatam que não se sentem à vontade para demonstrar vulnerabilidade emocional no trabalho, temendo serem vistas como frágeis ou descontroladas.

Do ponto de vista psicanalítico, essa repressão da vulnerabilidade gera culpa e autoexigência crônica, levando muitas mulheres a internalizarem o sofrimento e se desconectarem de suas próprias necessidades emocionais. É o que Freud descreveu como “formação reativa”  a tentativa de mascarar sentimentos de impotência com atitudes de superação excessiva.

O mito da mulher multitarefas é uma construção simbólica que aprisiona e adoece. Ao invés de empoderar, ele cria um ideal inatingível de performance emocional, no qual fracassar é visto como falha moral, e não como sinal de limite humano.

Liderança feminina e o peso da representatividade

O crescimento da presença feminina em cargos de liderança é um avanço significativo, mas também um território de ambivalência emocional.
Pesquisas da Harvard Business Review (2023) indicam que as líderes mulheres têm, em média, 20% mais propensão a desenvolver ansiedade relacionada ao trabalho do que seus pares masculinos, especialmente por carregarem a pressão de “representar outras mulheres” e provar sua competência constantemente.

Além disso, a falta de modelos femininos saudáveis de liderança dentro das organizações perpetua a solidão profissional. Muitas líderes relatam sentir-se emocionalmente isoladas, sem espaços de acolhimento para compartilhar vulnerabilidades ou dilemas éticos.

A ausência de mentoras e de ambientes de diálogo psicoemocional cria uma lacuna: mulheres que chegaram ao topo, mas não encontram sustentação emocional para permanecerem lá.

Promover saúde mental nas lideranças femininas não é apenas um gesto de cuidado, mas uma estratégia de sustentabilidade organizacional. Líderes emocionalmente esgotadas não conseguem inspirar, inovar ou conduzir equipes com empatia.

Políticas corporativas e o desafio do cuidado real

Nos últimos anos, empresas brasileiras começaram a incorporar programas de bem-estar e diversidade. Porém, a maioria ainda atua de forma superficial, com ações pontuais, palestras, campanhas ou treinamentos genéricos, que não chegam ao cerne emocional da cultura organizacional.

Segundo levantamento da Gartner (2024), apenas 34% das empresas no Brasil possuem políticas estruturadas de saúde mental com foco em gênero. A maioria ignora fatores como violência psicológica, assédio moral e sobrecarga emocional, que atingem as mulheres de forma desproporcional.

Soluções reais exigem uma abordagem integrada, que combine:

    • Diagnóstico clínico e organizacional dos riscos psicossociais;

    • Acompanhamento terapêutico e programas de mentoria emocional;

    • Treinamento de líderes e RHs para identificação precoce de sinais de adoecimento;

    • Flexibilidade de jornada e reconhecimento de contextos familiares.

Como psicanalista e mentora de líderes, defendo que a saúde emocional feminina precisa ser tratada como política estratégica, e não como benefício corporativo. Isso implica criar espaços de escuta ativa, promover segurança psicológica e valorizar o equilíbrio entre desempenho e bem-estar.

Um novo paradigma: o trabalho como espaço de sentido, não de sacrifício

A geração de mulheres que hoje ocupa o mercado de trabalho não quer apenas estabilidade. Nós buscamos sentido, liberdade e autenticidade. A psicanálise moderna nos ensina que a saúde emocional depende da integração entre o que se faz, o que se sente e o que se acredita.
Portanto, o futuro das organizações que desejam reter talentos femininos passa por redefinir o conceito de sucesso: menos heroísmo e mais humanidade.

Ao invés de cobrar que as mulheres “se adaptem ao sistema”, é hora de transformar o sistema para que ele comporte a vida real com pausas, escuta e cuidado.

O silêncio que precisa virar pauta

A saúde emocional da mulher no trabalho brasileiro não é uma questão individual, mas um espelho do modo como a sociedade trata a força e a vulnerabilidade feminina.
O futuro do mercado depende da coragem de romper o silêncio institucional e reconhecer que não há produtividade sustentável sem equilíbrio emocional.

Se queremos organizações inovadoras e humanas, precisamos permitir que as mulheres sejam inteiras, com suas conquistas, limites e emoções.
Afinal, cuidar da saúde mental da mulher é cuidar da saúde emocional do trabalho como um todo.

Fabiana Santiago

Psicanalista Clínica dedicada à saúde mental no trabalho

www.fabianasantiago.com.br 

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